PEQUENA SABATINA AO ARTISTA
Por Fabrício Brandão
Em meio ao universo múltiplo da música baiana, a banda de rap O Quadro abre novos horizontes no cenário cultural local. Ainda desconhecido do grande público nacional, o grupo ilheense, formado por Hãs (vocal), Freeza (vocal), Jeff (vocal), Rico (baixo), Victor (bateria), Reneudes (Dj) e Jax (percussão), vem desenvolvendo um trabalho autoral, com letras e arranjos próprios. Chama atenção, no processo criativo deles, a utilização de referências e elementos regionais, rompendo com certas resistências e lugares-comuns talvez peculiares do gênero musical a que se dedicam.
Tudo começou em 1996, durante uma apresentação de valores artísticos da escola pública em que os componentes estudavam. Depois ficaram quatros anos sem tocar juntos, por conta de projetos paralelos. Retomaram o caminho em 2001 e hoje vivem a recompensadora expectativa de lançarem o primeiro disco de suas carreiras. Nesta conversa, os integrantes do grupo falam de suas características, influências, intenções, criação e, também, sobre o nascimento desse primeiro filho, seu disco, ainda sem nome.
BA - Como surgiu a idéia de criar uma banda desse gênero num cenário talvez atípico? Vocês conseguem se utilizar dos elementos culturais locais para incrementar a sonoridade?
O Quadro - A gente já ouvia e fazia rap, mesmo não sendo uma coisa comercial na época, em 1996. Independente de modismos, iniciamos os trabalhos pensando numa mudança. Criamos uma banda de rap com incrementos acústicos, fugindo um pouco da coisa MC/Dj. Apesar do cenário comercialmente atípico, a gente deu início aos trabalhos. Utilizamos elementos da música baiana, mas sem panfletarismo do tambor, do atabaque. Talvez muito mais algo Caymmi, Gerônimo, do que os tambores da Timbalada.
BA - No meio musical, quais seriam suas principais influências?
O Quadro - Tim Maia, The Mars Volta, Lee Perry, João Bosco, Kraftwerk, Elis Regina, Sepultura, etc. Ouvimos todos com a mesma intensidade e respeito, e isso tudo forma a nossa identidade musical, o que nos deixa bem abertos ao novo.
BA - Percebe-se, nesse estilo musical que é o rap, um comprometimento com a mensagem, com perspectivas de transformação nos mais variados níveis. A escolha em seguir este caminho corresponde a uma necessidade de chamar atenção para a mudança?
O Quadro - Nem sempre. Porque, enquanto banda, a gente não está cem por cento reclamando de alguma coisa. Estamos fazendo música, coisa que gostamos de fazer, algo que nos divertimos fazendo. Nosso compromisso com a parte política já é a nossa convivência. Na hora de reclamar, procuramos os lugares certos, as pessoas certas, ir direto ao assunto... No meio do rap ou na música de protesto, hoje, existem muitos “coitadinhos”, que são os caras que não apontam a saída e ficam reclamando das mesmas coisas, dos mesmos problemas, sendo que, às vezes o problema está acima do que se vê. Com isso, o sujeito fica se repetindo e não se expande nem no terreno do protesto nem no da arte. O negócio é chamar atenção por outras formas, fazendo arte de um jeito diferente, sob pontos de vista diferenciados, tendo o ponto de vista do “inimigo”, por exemplo.
BA - Vocês fazem um trabalho autoral, com letras que denotam uma crítica, um certo engajamento com as questões sociais. Como é possível falar em tom de protesto sem, no entanto, correr o risco de criar um discurso panfletário?
O Quadro - Pelo bom-humor. Segundo alguém que não lembramos agora, o bom-humor é sinônimo de inteligência, o que não significa ser engraçadinho. Hoje se tem muito a coisa do rap “marrento”, fechadão. O grupo Racionais, por exemplo, que tem um estilo próprio e são pioneiros, tem algo particular que parte de uma vivência deles, de uma realidade mesmo. No entanto, muitos grupos tendem a imitá-los, tendo a banda como uma cartilha ABC de como se faz rap. Isso fica chato porque gera a repetição.
BA - Certa vez, um notório crítico e estudioso musical afirmou que estilos como o rap e o hip hop se originaram da tradicional embolada, gênero musical típico do Nordeste. Concordam com tal opinião?
O Quadro - Sim, porém, ao mesmo tempo, na Jamaica e nos EUA o mesmo povo negro se organizava musicalmente de forma parecida. Os ritmos se parecem e devem ter outro nome porque nasceram em lugares diferentes, com línguas diferentes. Então é plausível a coisa do rap ter nascido no Nordeste.
BA - Como é o processo criativo de vocês? Vocês se interessam em dialogar com outras esferas da arte para acrescentarem coisas novas ao trabalho?
O Quadro - Um compõe a letra, outro a música e daí combinamos os dois. Todos escrevem, conversam muito. Tempos como influência grandes nomes da literatura e pequenos também. Há também um interesse pelas artes plásticas, pelo design. Mesclando tudo isso, acabam surgindo idéias modernas, inusitadas. Sem querermos ser pretensiosos, mas já sendo (risos), uma movimentação vanguardista.
BA - Agora vocês estão próximos de gravarem o primeiro disco. Qual é a perspectiva para a repercussão desse trabalho? O disco já tem nome e uma característica própria?
O Quadro - O disco ainda não tem nome. A perspectiva é a de uma banda nova que tem alguns bons contatos e acredita na própria força, visto que a gente não está numa grande gravadora. Não é um disco ou uma banda que se parece com uma outra banda. Pode se parecer com várias, mas não com as de rap que existem hoje no Brasil.
Fonte:
www.baratos-afins.blogspot.com/Myspace:
www.myspace.com/oquadro